OPINIÃO: Abril Verde, Estatísticas Vermelhas: uma tragédia silenciosa
14 de abril de 2025, às 14h30 - Tempo de leitura aproximado: 4 minutos
O mês de abril carrega em si dois marcos simbólicos e paradoxais para a humanidade. No dia 7 de abril, celebra-se o Dia Mundial da Saúde, instituído pela Organização Mundial da Saúde com o intuito de promover o bem-estar global. Em contrapartida, no dia 28 do mesmo mês, rememoramos uma tragédia: uma explosão devastadora em uma mina no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, em 1971, que chocou o mundo ao vitimar setenta e oito trabalhadores. Este foi um dos mais marcantes acidentes industriais da história moderna e se tornou um símbolo internacional da luta pela segurança no trabalho. A data foi escolhida como o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças Relacionadas ao Trabalho, lembrada anualmente com reflexão, dor e, acima de tudo, com o compromisso de impedir que tragédias semelhantes se repitam. A coincidência de ambas as datas no mesmo mês influenciou diretamente na escolha de abril como o mês da prevenção a acidentes do trabalho: um período que simboliza tanto o direito à vida e à saúde quanto a urgência em proteger quem trabalha.
No entanto, ao observarmos a realidade atual, percebemos que o Brasil, e em especial o estado do Tocantins, vive sua própria tragédia, silenciosa e cotidiana. Dados fornecidos pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Araguaína, com base no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), apontam que somente no ano de 2024, o Tocantins registrou 4.598 acidentes de trabalho, destes 64 óbitos relacionados à atividade laboral. Somam-se a esses dados os casos de doenças relacionadas ao trabalho, que incluem: 459 casos de Lesões por Esforço Repetitivo (LER/DORT), 74 transtornos mentais, 50 dermatites ocupacionais, 5 cânceres relacionados ao trabalho, 7 casos de pneumoconiose, 1 caso de Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) e 242 intoxicações exógenas. Ao todo, foram 6.326 notificações envolvendo acidentes e doenças ocupacionais no estado em apenas um ano.
Guardadas as devidas proporções históricas e geográficas, os números são perturbadores. É como se a cada ano, uma nova mina explodisse silenciosamente no coração do Tocantins. Uma tragédia por ano. Mas sem manchetes, sem comoção nacional, sem luto coletivo. O que nos indigna ainda mais é que esta é apenas a parte visível do iceberg.
Estudos diversos e relatórios técnicos de instituições públicas e privadas apontam que a subnotificação de acidentes e doenças ocupacionais é alarmante no Brasil. Os dados notificados ao SINAN representam apenas uma fração do que realmente acontece nos ambientes de trabalho. Milhares de casos seguem invisíveis, enterrados na informalidade, no medo de represálias, na falta de informação ou na ausência de estrutura para notificar. A verdadeira dimensão dessa crise permanece oculta, mascarada pela aparente normalidade das estatísticas oficiais.
Agora, pare e pense: e se um desses 64 fosse um amigo seu? Um irmão, pai, uma filha? Imagine vê-lo sair pela manhã, vestindo o uniforme, pegando seu transporte e indo trabalhar como em qualquer outro dia. E então, o telefone toca. A voz do outro lado é fria, protocolar. Ele não volta mais. O retorno do trabalho à casa, que deveria ser certo, transforma-se em luto. O drama que parece distante, estatístico, instala-se no coração de uma família. Quantas famílias você conhece que já viveram isso sem que a sociedade sequer notasse?
Diante deste cenário, é urgente que a sociedade, os órgãos de controle e os empregadores deixem de tratar a segurança do trabalho como uma obrigação burocrática ou uma pauta para o ‘mês de abril’. A prevenção deve ser uma cultura permanente, uma prioridade absoluta em todos os setores produtivos.
Neste contexto, é essencial valorizarmos a atuação da engenharia de segurança do trabalho. O engenheiro de segurança não pode ser visto apenas como uma exigência legal prevista na NR 04 para compor o SESMT. Ele deve ser reconhecido como protagonista na gestão de riscos e perigos. Precisa ter autonomia para identificar, analisar e eliminar situações de risco antes que estas gerem vítimas.
A prevenção começa com o reconhecimento dos perigos e passa por medidas de proteção coletiva, organizacionais e administrativas. Somente em último caso, quando não há alternativa eficaz, devem ser adotadas medidas de proteção individual. O papel do engenheiro de segurança vai muito além da burocracia: é ele quem pode transformar estatísticas em histórias evitadas.
Portanto, que o “Abril Verde” não seja apenas uma campanha, mas o despertar de uma consciência coletiva. Que cada um dos 64 óbitos registrados em 2024 no Tocantins seja lembrado como uma vida que poderia ter sido salva. E que nenhuma tragédia seja banalizada pela rotina. Que a segurança do trabalho seja, finalmente, um compromisso de todos, todos os dias.
André Santos Moreira – engenheiro de segurança do trabalho – especialista em proteção contra incêndio e pânico.